Será?
Análise:
Uma possível vitória de Donald Trump convém à América Latina?
Eduardo J. Vior | Veintitres | Buenos Aires - 19/04/2016 - 10h00
Pré-candidato republicano defende modelo nacionalista dos anos 1940, com
menor dependência com relação à economia mundial; para latino-americanos,
democrata Hillary Clinton é potencialmente mais intervencionista que
megaempresário
Desde o fim da Guerra Fria a
política externa nunca tinha estado tão presente em uma campanha presidencial
norte-americana como na atual. Os tratados de livre-comércio, as intervenções
militares no exterior, as relações com a Rússia, a guerra na Síria, as
migrações internacionais e as relações entre cristãos, judeus e muçulmanos
ocupam todos os dias as telas dos televisores. Boa parte desses assuntos agita
a pré-campanha para a escolha da chapa republicana dando destaque aos limites
do poder dos Estados Unidos no mundo.
Flickr/CC/Tony Webster
Trump gosta de posar de
excêntrico e provocar com declarações pomposas, mas no cerne de seu afã pelo
show — municiado no reality The Apprentice (O Aprendiz) que dirige na
NBC desde 2004 — se encontram posições sensatas sobre o papel dos Estados
Unidos no mundo que desagradam à elite de Washington porque questionam
interesses estabelecidos e moldes ideológicos cimentados. O pré-candidato
republicano justifica a intervenção russa na Síria para combater o Estado
Islâmico pelo direito adquirido como vítima do terrorismo, embora – afirma – a
Rússia vá se atolar ali. Por isso, — opina — os Estados Unidos não
devem intervir. Entretanto, reivindica que a Alemanha assuma sua
responsabilidade para resolver a crise ucraniana. Não há nenhuma necessidade – sustenta
– de que os EUA tenham de tirar permanentemente seus aliados do sufoco. “Não
podemos continuar sendo a polícia do mundo”, argumentou em novembro.
Uma de suas posições mais ousadas
é a de defender a permanência de Bashar al Assad como presidente da Síria
porque – afirma – se os países do Oriente Médio não forem governados por homens
fortes, incidirá o caos e o terrorismo, como aconteceu no Iraque e na Líbia
depois da derrubada de seus líderes.
O pré-candidato defende que
Washington seja mais enérgico na relação com a China para evitar que a
República Popular enfraqueça o dólar e roube os investimentos norte-americanos.
“Amo a América”, grita. E porque a ama, quer que seja forte e rica. Para ele, a
riqueza é a base das liberdades norte-americanas e é necessário defendê-la
contra os de fora, reduzir a dívida pública e melhorar as receitas do Estado. A
negociação pessoal entre os líderes do mundo é seu mantra. Como no mundo dos
negócios – diz –, só o intercâmbio duro e frontal, mas franco e honesto, cria
confiança. Para Trump, um dos maiores problemas atuais dos EUA é que o
presidente Barack Obama não é respeitado no exterior. Um bom negociador, em
troca, pode manter várias bolas no ar – explica –, equilibrando os interesses
dos outros países, mas antepondo sempre os próprios. Sabe onde manter-se duro e
onde ceder, quando enganar e quando ameaçar, mas só se estiver disposto a pôr a
ameaça em prática.
Sem direitos civis e políticos
tampouco há muitos consumidores que possam comprar os produtos
norte-americanos, sustenta. Por isso é preciso pressionar para que os interlocutores
dos EUA protejam as liberdades de seus cidadãos, mas não se imiscua nos
problemas alheios. Os líderes republicanos rejeitam as propostas de Trump de
construir um muro na fronteira com o México, deportar 11 milhões de imigrantes
sem documentação que vivem nos Estados Unidos e proibir temporariamente a
entrada de muçulmanos no país. Não são movidos nem pela fraternidade com o país
vizinho, nem pela compaixão pelos explorados ilegais ou pelo afã de
entendimento inter-religioso, mas pela dependência dos EUA de seus
investimentos e negócios na América Latina e Oriente Médio. Donald Trump se
volta contra os deslocamentos de investimentos norte-americanos para o exterior
porque — a seu ver — destroem postos de trabalho dentro dos Estados
Unidos, obrigam a enormes gastos militares para protegê-los e elevam
artificialmente o valor do dólar para manter o poder de compra no mundo,
fazendo com que as exportações do país percam competitividade.
Flickr/CC/
Marcha de
21 de março contra Trump, realizada por judeus norte-americanos
Em assuntos internos, o
empresário se mostrou extremadamente crítico dos líderes políticos, empresários
e militares. Embora ao longo dos anos tenha estado afiliado a todos os partidos
e, por fim, de novo, aos republicanos, fez substanciais doações para candidatos
de ambas as forças, especialmente para os dois Clintons. Considera Bill Clinton
o melhor presidente desde a Guerra do Vietnã (1959-1975) e vê Hillary como uma
“grande presidente” em potencial. No entanto, só aceita o aborto em casos de
estupro ou graves riscos para a saúde, rejeita o casamento homossexual, defende
a redução dos impostos das grandes corporações, rechaça o seguro saúde
instituído por Obama, apoia o porte livre de armas e se opõe a restrições que
visem à proteção do meio ambiente.
Compatível com seu interesse
pelos negócios imobiliários, o multimilionário aspira a que os EUA reduzam sua
dependência da economia mundial, invistam no próprio crescimento e imponham a
seus parceiros as condições do intercâmbio. Trata-se de um modelo nacionalista
com 70 anos de atraso, mas poderosamente repulsivo para a elite norte-americana
porque questiona seus entrelaçamentos internacionais. Trump está instigando um
levante popular, apoiado no passado, que subverte o poder existente. Por isso é
tão rejeitado pelo establishment de todas as correntes. Donald Trump não é um líder
democrático que possa ampliar direitos e liberdades, mas sua oposição ao
livre-comércio desenfreado, ao deslocamento de investimentos para fora dos
Estados Unidos e às intervenções militares constantes pode resultar em um maior
respeito à soberania e às liberdades dos demais países. Por isso, para os
países do Sul pode constituir uma opção mais conveniente do que a liberal
intervencionista Hillary Clinton.
Publicado
originalmente em espanhol pelo site Veintitrés
Traduzido
por Maria Teresa de Souza
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