Europa, Europa...
A nova
disputa migratória entre Turquia e União Europeia
O presidente turco declarou aberta a
fronteira de seu país com a Europa. Ato gerou crise na divisa com a Grécia e
tensões com países europeus, enquanto a UE se articula para impedir nova onda
de refugiados ao continente.
Migrantes esperam do lado turco da
fronteira, na esperança de cruzar para a Grécia
Muitos políticos na União Europeia (UE) estão em
pânico diante das ameaças de uma nova fuga em massa para a Europa, a exemplo da
onda migratória de 2015. O receio é de novas tensões entre a população,
novas demonstrações de extremismo político e uma divisão ainda maior entre os
países dispostos a acolher refugiados e aqueles que se recusam.
É sobretudo a política alemã que está em pânico.
Foi justamente a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, quem prometeu
que 2015 não se repetiria.
Eis a nova situação: a tensão na
fronteira entre a Turquia e a Grécia se escalou no fim de semana,
depois que Ancara disse
que abriria suas divisas com a UE, em reação aos combates na
província de Idlib, no noroeste da Síria. Milhares de migrantes se posicionaram
na fronteira, na esperança de seguir em direção à Europa.
Enquanto isso, políticos da legenda governista
alemã CDU se manifestam, entre eles Friedrich Merz, aspirante a sucessor de
Merkel na presidência do partido. Merz quer enviar o seguinte sinal à fronteira
grego-turca: a Alemanha não pode acolher esses migrantes.
O vice-líder da bancada da CDU no Bundestag (câmara
baixa do Parlamento alemão), Thorsten Frei, exige até que migrantes possam ser
rejeitados na fronteira alemã, caso cheguem até ali.
Até mesmo a deputada Sevim Dagdelen, do partido A
Esquerda, não quer que a Alemanha volte a receber refugiados em massa,
como fizera em 2015. Já o Partido Verde vê o acolhimento como uma obrigação do
país – mas no contexto da União Europeia.
Sem processos para requerer refúgio
Até o momento, a UE vem adotando uma estratégia de
defesa. A Grécia reforçou as tropas na fronteira com a Turquia: no fim de
semana e nesta segunda-feira (02/03), forças de segurança gregas voltaram a
investir contra migrantes com jatos d'água e
gás lacrimogêneo para impendir sua entrada.
A Grécia considera a situação extremamente crítica,
e pediu auxílio à agência europeia de proteção de fronteiras, a Frontex. Ainda
não se sabe que medidas a Frontex vai tomar. "Vamos observar como podemos
ajudar a Grécia o mais rápido possível", tuitou a agência nesta
segunda-feira. Como precaução, a Frontex elevou o nível de alerta nos países
que fazem fronteira com a Turquia.
Além disso, a Grécia suspendeu, por um mês, os
processos de requerimento de refúgio para novos migrantes que chegaram
ilegalmente ao país. As opiniões divergem sobre se a medida é legal ou não, já
que todo migrante tem o direito de ter seu processo avaliado sem ser
extraditado.
Organizações de ajuda a migrantes enxergam
uma violação desse princípio. Já o eurodeputado alemão Manfred Weber,
do conservador Partido Popular Europeu, justificou a atitude da Grécia
nesta segunda-feira, em fala à rádio alemã Deutschlandfunk.
"Não se trata de pessoas individuais que
querem pedir refúgio na Grécia. São ônibus pagos por Erdogan, conduzidos
até a fronteira, que geralmente vêm de campos de refugiados já existentes – ou
seja, pessoas que já têm abrigo. E é preciso salientar que a Turquia é
considerada um país seguro para cidadãos de terceiros países."
Migrantes caminham de Edirne, na
Turquia, rumo à Grécia
Merkel também afirmou que a decisão do presidente
turco, Recep Tayyip Erdogan, de transportar em ônibus milhares de
migrantes de campos de refugiados à fronteira turca com a Grécia foi uma
abordagem errada, mesmo que Ancara "atualmente não se sinta suficientemente
apoiada" pela Europa.
"Apesar de toda a vontade de negociar sobre
fornecer ainda mais apoio [à Turquia], é totalmente inaceitável que se desconte
nos refugiados", disse a chanceler federal nesta segunda-feira. Segundo
ela, Erdogan está levando pessoas desesperadas a um "beco sem saída",
já que a Grécia deixou claro que não pretende permitir a entrada desses
migrantes.
O ministro do Exterior alemão, Heiko Maas,
acrescentou: "Não devemos permitir que os refugiados se transformem em
brinquedos de interesses geopolíticos. Não importa quem tente fazer isso,
sempre terá nossa resistência."
O preparo de países da rota dos Bálcãs
Segundo dados das Nações Unidas, cerca de 13 mil
migrantes aguardam a oportunidade de passar do lado turco da fronteira para a
Grécia. Além deste país, o único Estado-membro da UE que faz fronteira com a
Turquia é a Bulgária, onde a situação está calma.
O governo búlgaro tomou medidas preventivas e
enviou tropas adicionais à fronteira para impedir a entrada de migrantes em
caso de urgência. O objetivo do primeiro-ministro Boyko Borissov é conseguir,
junto a Erdogan, que o lado búlgaro não seja atingido por uma onda de
refugiados. Segundo Borissov, a chegada de mais pessoas desestabilizaria a
região.
As palavras mais recentes de Erdogan, no entanto,
deverão piorar a situação. O presidente turco disse nesta segunda-feira que, ao
abrir sua fronteira com a UE, "milhões" de pessoas deverão
cruzar a divisa em breve. Segundo Erdogan, cabe à União Europeia "carregar
a sua parte do peso".
Há cerca de 3,5 milhões de refugiados sírios
vivendo na Turquia. Políticos europeus admitem que Ancara arca com grande parte
da responsabilidade pelos refugiados, e se dispuseram a ajudar mais, mas não
querem ser pressionados.
Ao mesmo tempo, os países ao longo da chamada rota
dos Bálcãs se dizem bem preparados – foi por essa rota que centenas de
milhares de migrantes chegaram ao noroeste europeu em 2015/2016.
O ministro do Interior austríaco, Karl Nehammer,
disse em coletiva de imprensa conjunta com seu homólogo húngaro Sandor Pinter:
"Aprendemos as lições de 2015. Nosso objetivo é e continua sendo: parar e
não deixar passar."
O primeiro-ministro croata, Andrej Plenkovic, cujo
país detém atualmente a presidência rotativa do Conselho da UE, afirmou que seu
governo vai ajudar a Grécia e a Bulgária "a proteger suas fronteiras
externas com todos os meios".
O ministro do Interior esloveno, Bostjan Poklukar,
espera que a UE encontre "uma solução eficaz sobre como fechar as
fronteiras" com os países da rota ocidental dos Bálcãs.
Fim do acordo entre UE e Turquia?
Em nível europeu, o comissário de Promoção do Modo
de Vida Europeu, Margaritis Schinas, pediu em breve uma reunião extraordinária
dos ministros do Interior da UE. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o presidente do
Parlamento Europeu, David Sassoli, querem participar do encontro.
O tom, também aqui, parece se concentrar
principalmente na defesa. O primeiro-ministro grego, o conservador Kyriakos
Mitsotakis, disse que se trata de "um sinal importante do apoio das
três instituições num momento em que a Grécia está protegendo as fronteiras
europeias com sucesso".
Ao dizer que a fronteira para a UE estava aberta no
fim de semana, Erdogan parece ter encerrado o acordo com a União Europeia.
No pacto sobre refugiados de 2016, a Turquia havia
concordado em combater a imigração ilegal. O acordo também prevê que a UE pode
enviar de volta todos os refugiados e migrantes que chegam ilegalmente às ilhas
gregas pela Turquia. Em contrapartida, o bloco europeu admite sírios
vindos da Turquia com regularidade. Ancara também recebe apoio financeiro
para acolher refugiados.
A Alemanha considera o acordo bom para ambos os
lados e diz que o pacto está sendo cumprido, segundo o porta-voz do governo
alemão, Steffen Seibert.
Na última sexta-feira, a UE sublinhou que espera
que a Turquia cumpra sua parte no acordo. O eurodeputado Manfred Weber
falou na possibilidade de mais ajuda para a Turquia, mas disse que Erdogan
precisa saber que "a Europa não se deixará chantagear".
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